Quais as diferenças entre realizar exercícios com calçado ou descalço?

Movimentos que ocasionam extensão completa do joelho, combinadas com rotação externa ou interna da tíbia podem levar a uma maior predisposição a lesão de LCA (ligamento cruzado anterior) sem contato (BENCKE & ZEBIS, 2011) . Outros fatores importantes que podem ocasionar lesão de LCA é a desaceleração brusca ou mudança acentuada de direção (GRIFFIN et al., 2000).

Sabemos que existem diversos estudos analisando a movimentação em todas as modalidades esportivas, no entanto, normalmente a análise é feita com o praticante utilizando algum calçado. Eram escassos os estudos analisando o movimento com o praticante estando descalço.

Uma modalidade que tem sido examinada é a corrida de rua, onde pesquisadores notaram que a economia na execução do movimento não pode ser afetada pelo calçado inadequado (COCHRUM et al., 2015). Infelizmente o número de análises envolvendo outras categorias segue sem intensidade, o que é comum, tendo em vista que no passado poucas eram as modalidades esportivas que não são necessários calçados, sendo as principais praticadas no Brasil ou África (BOSHOFF, 1997).

O número de modalidades e métodos de treinamento utilizando sessões onde os praticantes estão descalços tem aumentado, dessa forma, pesquisar os efeitos tem se tornado importante.

Diversos esportes como o Futebol, Futsal, Basquete, Handebol, exigem mudanças de direção aceleradas e laterais (BESIER, LLOYD & ACKLAND, 2003), bem como, desacelerações com um pé fixo (BODEN et al., 2000), como acima mencionado, ocasionando um alto risco de lesões em caso de má execução.

Hughes et al. (2014) destaca que não só os movimentos, mas algumas características particulares dos praticantes podem influenciar na possibilidade de lesão de LCA. Uma extensão completa do joelho no momento do contato com o solo ou adversário, o atleta ter joelho valgo ou hiperextensão. Outros pesquisadores notaram que minimizando o valgismo e a hiperextensão é possível reduzir o risco imposto ao ligamento (SALCI et al., 2004; YU, LIN & GARRETT, 2006).

Lieberman et al. (2010) relata que a realização de exercícios descalço pode levar a diversas alterações de movimento, como a maior conscientização tátil do piso, perda do amortecimento do calçado e do calcanhar mais elevado, proporcionado também pelo calçado.

Alguns pesquisadores mencionam a maior tendência de um primeiro contato com o solo ocorrer com a região anterior dos pés quando o sujeito faz exercícios descalço (DIVERT et al., 2005; BISHOP et al., 2006). Como consequência dessa tendência anterior, naturalmente existe uma maior flexão plantar nessa condição (YU et al., 2006). O mesmo autor relata a necessidade de estudos voltados para a flexão plantar com o intuito de averiguar a possibilidade de maior risco a lesões.

Encontramos na literatura menções de que a prática de movimentos descalço tira a tensão na articulação do joelho por ocasionar maior flexão do mesmo e ainda reduz a ocorrência de valgismo dinâmico, ambos importantes aliados na prevenção de lesão de LCA (SALCI et al., 2004, YU et al., 2006).

Bisesti et al. (2015) realizou uma pesquisa com atletas utilizando movimentos em duas condições: descalço e com calçado especifico, onde, compararam flexão de joelho, angulo de valgismo de joelho e o pico de maior extensão de joelho, realizaram o comparativo dessas variáveis entre a perna dominante e não dominante. Os autores notaram que a condição descalço, assim como foi relatado anteriormente na literatura, foi capaz de proporcionar maior flexão de joelho durante o movimento, menor pico de extensão, o que evita a hiperextensão, e um ângulo de valgismo menor em comparação a condição com calçado especifico. Todas essas variáveis indicam um menor risco de lesão de LCA na condição descalço.

Considerações

Os achados sugerem que a utilização de sessões de treinamentos descalço podem, apesar de não haver o amortecimento do calçado, reduzir o risco de lesões no joelho, em especial, de ligamento cruzado anterior, o que é interessante visando a maior sequência de jogos do atleta.

Outro ponto interessante é a favor de esportes que já são praticados sem a utilização de calçados, mostrando que eles podem ser praticados sem maiores preocupações.

 

Referências

Bencke, J and Zebis, MK. The influence of gender on neuromuscular pre-activity during side-cutting. J Electromyogr Kinesiol 21: 371–375, 2011.

Griffin, LY, Agel, J, Albohm, MJ, Arendt, EA, Dick, RW, Garrett, WE, Garrick, JG, Hewett, TE, Huston, L, Ireland, ML, Johnson, RJ, Kibler, WB, Lephart, S, Lewis, JL, Lindenfeld, TN, Mandelbaum, BR, Marchak, P, Teitz, CC, and Wojtys, EM. Noncontact anterior cruciate ligament injuries: Risk factors and prevention strategies. J Am Acad Orthop Surg 8: 141–150, 2000.

Cochrum, RG, Connors, RT, Coons, JM, Fuller, DK, Morgan, DW, and Caputo, JL. Comparison of running economy values while wearing no shoes, minimal shoes, or normal running shoes. J Strength Cond Res 2015.

Boshoff, GBE. “Barefoot” administrators: Laying the foundation for sports development in South Africa. J Sports Management 11: 10, 1997.

Besier, TF, Lloyd, DG, and Ackland, TR. Muscle activation strategies at the knee during running and cutting maneuvers. Med Sci Sports Exerc 35: 119–127, 2003.

Boden, BP, Dean, GS, Feagin, JA Jr, and Garrett, WE Jr. Mechanisms of anterior cruciate ligament injury. Orthopedics 23: 573–578, 2000.

Hughes, G. A review of recent perspectives on biomechanical risk factors associated with anterior cruciate ligament injury. Res Sports Med 22: 193–212, 2014.

Salci, Y, Kentel, BB, Heycan, C, Akin, S, and Korkusuz, F. Comparison of landing maneuvers between male and female college volleyball players. Clin Biomech (Bristol, Avon) 19: 622–628, 2004.

Yu, B, Lin, CF, and Garrett, WE. Lower extremity biomechanics during the landing of a stop-jump task. Clin Biomech (Bristol, Avon) 21: 297–305, 2006.

Lieberman, DE, Venkadesan, M, Werbel, WA, Daoud, AI, D’Andrea, S, Davis, IS, Mang’eni, RO, and Pitsiladis, Y. Foot strike patterns and collision forces in habitually barefoot versus shod runners. Nature 463: 531–535, 2010.

Divert, C, Mornieux, G, Baur, H, Mayer, F, and Belli, A. Mechanical comparison of barefoot and shod running. Int J Sports Med 26: 593– 598, 2005.